17.8.06

Groucho-marxismo

“O groucho-marxismo, teoria da revolução pela comédia, é muito mais do que um esquema para a luta de classes: como uma luz vermelha na janela, ilumina o
destino inevitável da humanidade, a sociedade déclassé. O groucho-marxismo é a teoria do deleite permanente”, explica logo nas primeiras linhas Bob Black,
ativista, cientista social norte-americano e autor do mais novo título da Coleção Baderna: Groucho-Marxismo.
O cientista social de extrema esquerda questiona o comportamento dos militantes de esquerdas, “pseudo intelectuais” que, segundo ele, estão preocupados em se
mostrar responsáveis para serem aceitos nos “grandes salões” da sociedade. Para Bob Black, os pervertidos sexuais não são mais os membros da TFP, mas sim a
esquerda, a única que defende sinceramente a tradição, a família e a propriedade.

Autor de textos polêmicos publicados em veículos como o Wall Street Journal e a revista Village Voice, o escritor faz uma verdadeira ode ao que ele entitulou de
teoria groucho-marxista. Não se trata de anarquismo ou de uma teoria comunista ou socialista. Aliás, o estudioso faz duras críticas a todos esses movimentos. “Os
anarquistas não se entendem sobre trabalho, industrialismo, sindicalismo, urbanismo, ciência, liberdade sexual, religião e um sem-número de coisas mais
importantes, especialmente quando tomadas em conjunto. Há mais pontos discordantes do que qualquer coisa que os una”, afirma Black em um dos capítulos do
livro entitulado “Meu problema com o anarquismo”, dedicado ao pensamento anarquista.

Já sobre o marxismo, no capítulo destinado a tratar as “Palavras de Poder”, Bob Black é taxativo: trata-se do “estágio mais elevado do capitalismo”. Outras
palavras de poder que merecem destaque:

Arte? Um substituto cada vez mais inadequado para o sexo.
Civilização? A doença de pele da biosfera.
Política? Como um brejo – tudo o que é sujo acaba subindo.
Serviço militar? Conheça o abatedouro.
Punks? Hippies com amnésia.
Punques? Punks que cursam escolas de arte.
O rock? Tem um grande futuro por trás.
Vegetarianos? Você é o que come.
Vida após morte? Por que esperar?

Com muito humor, a linha filosófica groucho-marxista prega que “se a revolução não servir para dançar e rir, não será nossa revolução”. Em “A abolição do
trabalho” o autor discorda e lança argumentos contundentes contra uma das grandes bandeiras socialistas: a questão do pleno emprego. Ele avalia todos os lados
da moeda, inclusive o “não-trabalho”: “O lazer é o não-trabalho em nome do trabalho. O lazer é o tempo gasto se recuperando do trabalho e na frenética, porém
vã, tentativa de esquecer o trabalho”. Bob Black vai mais além: “A principal diferença entre o trabalho e o lazer é que trabalhando pelo menos você é pago por sua alienação e exasperação”.

“[Bob Black] supera qualquer ensaísta político vivo... o trocadilho mais rápido do Oeste”, define Hakim Bey, outro autor da Conrad – escreveu Caos - Terrorismo
Poético e outros Crimes Exemplares e TAZ Zona Autônoma Temporária, também da Coleção Baderna

O autor

Bob Black tem uma formação acadêmica respeitável (graduações em ciências sociais e direito, dois títulos de mestrado), mas rejeitou desde o início os dois
caminhos principais apresentados à intelectualidade “séria”: a segmentação cientificista liberal ou o cinismo da esquerda frígida. Em vez disso, tornou-se famoso pelos cartazes anarquistas/situacionistas/absurdistas que criou à frente da “Última Internacional”, entre 1977 e 1983

Além da ação panfletária, escreveu também centenas de ensaios, distribuídos indistintamente entre periódicos anarquistas, jornais da área de direito e órgãos da
grande imprensa, como Wall Street Journal, Village Voice, Semiotext(e) e Re/Search. Publicou Friendly Fire, em 1992, Beneath the Underground, em 1994, e
Anarchy after Leftism, em 1996. O texto The Abolition of Work and Other Essays que faz parte do livro Groucho-Marxismo - é o capítulo “A abolição do
trabalho” - foi publicado originalmente em 1985. Também foi um dos pioneiros na divulgação do situacionismo nas Américas. Sua capacidade singular para criar
jogos de palavras, aliada ao humor ácido e ao conhecimento teórico, faz dele um dos grandes nomes do anarquismo heterodoxo.

Fonte: http://www.portal364.com/m5.asp?cod_noticia=9155&cod_pagina=1013


TESES SOBRE O GROUCHO-MARXISMO
Bob Black

1

Groucho-marxismo, a teoria da revolução cômica, é muito mais que um projeto para a luta de classes: como uma luz vermelha numa janela, ele ilumina o destino
inevitável da humanidade, a sociedade desclassificada (1). G-Marxismo é a teoria da folia permanente. (Aí, garoto! Até que enfim, eis um ótimo dogma).

2

O exemplo dos próprios Irmãos Marx mostra a unidade da teoria e prática marxista (por exemplo, quando Groucho insulta alguém enquanto Harpo depena sua
carteira ). Além disso, o marxismo é dialético (Chico não é o clássico comediante dialético?). Comediantes que fracassam em sintetizar teoria e prática (para não
mencionar aqueles que fracassam totalmente em pecar) são não-marxistas. Comediantes posteriores, fracassando em entender que a separação é “o discreto
charme da burguesia”, decaíram para meras gafes, por um lado, e mera tagarelice, por outro.

3

Como o G-Marxismo é prático, seus feitos não podem nunca ser reduzidos ao mero humor, entretenimento ou “arte”. (Os estetas, afinal de contas, estão menos
interessados na interpretação da arte do que na arte que interpreta.) Depois que um genuíno marxista assiste a um filme dos Irmãos Marx, ele diz para si mesmo:
“Se você achou isso engraçado, preste atenção à sua vida!”.

4

G-marxistas contemporâneos devem decididamente denunciar o “Marxismo” vulgar, de imitação, dos Três Patetas, Monty Python, e Pernalonga. Em vez do
marxismo vulgar, devemos retornar à autêntica vulgaridade marxista. Retoficação (2) serve igualmente para aqueles camaradas desiludidos que pensam que “a linha
correta” é o que o tira faz quando manda eles pararem no acostamento.

5

Marxistas com consciência de classe (isto é, marxistas conscientes de que não possuem nenhuma classe) devem rejeitar a “comédia” anêmica, da moda, narcisista,
de revisionistas cômicos como Woody Allen e Jules Feiffer. A revolução cômica já ultrapassou a mera neurose – ela é risonha mas não risível, discriminante mas
não discriminatória, militante mas não militar, e aventurosa mas não aventureira. Os marxistas percebem que hoje você deve olhar no espelho de uma casa
assombrada de parque de diversões para se ver da forma que você realmente é.

6

Embora não totalmente desprovido de vislumbres de insight marxista, o (sur)realismo socialista deve ser distinguido do G-Marxismo. É verdade que Salvador Dali
deu uma vez a Harpo uma harpa feita com arame farpado; no entanto, não há nenhuma evidência de que Harpo alguma vez a tenha tocado.

7

Acima de tudo, é essencial renunciar e execrar todo sectarismo cômico como o dos trotskos eqüinos. Como é bem sabido, Groucho repetidamente propunha o
sexo mas se opunha às seitas. Para Groucho, havia uma diferença entre ser um trotsko e estar louco para “trotar” (3). Além disso, o slogan trotsko “Salários para o
Trabalho Eqüino” cheira a reforma, não a folia. Os esforços trotskos para reivindicar Um dia nas Corridas e Os Gênios da Pelota como de sua tendência devem ser
indignadamente rejeitados; na verdade, A Mocidade é Assim Mesmo está mais na velocidade deles (4).

8

O assunto mais urgente que os G-Marxistas confrontam hoje é a questão do partido (5), que - ao invés do que pensam “marxistas” ingênuos, reducionistas – é mais
que apenas “Por que não fui convidado?” Isso nunca foi impedimento para Groucho! Os marxistas precisam de seu próprio partido disciplinado de vanguarda, pois
eles são raramente bem-vindos aos de qualquer outro.

9

Guiadas pelos dogmas fundamentais do desbehaviorismo e do materialismo histérico, as massas inevitavelmente abraçarão, não apenas o G-Marxismo, mas
também mutuamente uns aos outros.

10

O Groucho Marxismo, então, é o tour de farce da comédia. Como seguramente se diz que Harpo falou:
“Em outras palavras, a comédia será revoltosa ou não será!” Tanto por fazer, tantos para fazê-lo! Sobre seus Marx, está dada a largada! (6)


Notas:

1. No original, déclassé. (N. do Tradutor)

2. “Rectumfication”, neologismo bricalhão que Black inventou a partir de “retificação” e “reto” (rectum, canal do ânus). (N. do T.)

3. Trocadilho aqui intraduzível entre “Trots” (trotskistas) e “hot to trot” (excitado para trepar), sem esquecer a brincadeira com os eqüinos pois “to trot” significa
trotar. (N. do T.)

4. Um dia nas Corridas (A Day in the Races) e Os Gênios da Pelota (Horse Feathers) são filmes dos Irmãos Marx, enquanto A Mocidade é Assim Mesmo
(National Velvet) é um velho drama onde Liz Taylor atuou ainda garota. (N. do T.)

5. Mais um trocadilho neste texto pleno deles: “party” é tanto partido quanto festa em inglês. Para entender a piada melhor, leia o parágrafo com os dois
significados, substituindo onde houver “partido” por “festa”. (N. do T.)

6. Outro trocadilho praticamente intraduzível, desta vez com a exclamação que dá início a competições de corrida : “On your marks, get set –go!” aqui trocada por
“On your Marx, get set – go!”. (N. do T.)

Tradução de Ricardo Rosas

Fonte:
Página de Bob Black na Spunk: http://www.spunk.org/library/writers/black/
Rizoma: http://www.rizoma.net/interna.php?id=162&secao=intervencao

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